Nada de dubladores famosos ou diretores e autores de obras populares; dessa vez trago traduzidas três entrevistas feitas pelo Anime News Network com animadores estrangeiros que vivem ou viveram no Japão. Falando sobre suas rotinas de trabalho e as dificuldades pelas quais passaram no início de suas respectivas carreiras, eles podem ter certo reconhecimento dentro da indústria, mas para nós são apenas alguns dos vários nomes que não damos atenção nos créditos finais de um anime, sendo responsáveis por etapas de produção como in-between (desenhos que completam o movimento de uma cena, se baseando em um desenho principal que é chamado de quadro-chave ou genga) ou background (cenários de fundo).
O ANN postou essas três entrevistas durante os dias 04 e 15 de maio desse ano; preferi coloca-las em uma só postagem devido ao tamanho de cada uma, pois pra mim ao menos elas não ficariam tão interessantes de outra forma - espero que tenham paciência com o tamanho final do post por conta dessa escolha. Realizadas por Lynzee Lamb, os entrevistados foram o animador francês Cedric Herole, o artista britânico de cenários de fundo Scott MacDonald - que atualmente está trabalhando nisso no anime "Gate: Jieitai Kanochi nite, Kaku Tatakaeri", do A-1 Pictures - e o art designer Yann Le Gall, que também é francês (clique aqui, aqui e aqui para ver a entrevista original de cada um, respectivamente). As partes destacadas em azul ou roxo são adições minhas com informações extras que julguei necessárias.
Seguem abaixo as entrevistas, junto com o texto de introdução do ANN. Além disso, recomendo como leitura complementar a matéria "Fabricando um anime" do site Anime.com.br, que explica de maneira aprofundada sobre as diferentes etapas de produção de um anime.
O ANN postou essas três entrevistas durante os dias 04 e 15 de maio desse ano; preferi coloca-las em uma só postagem devido ao tamanho de cada uma, pois pra mim ao menos elas não ficariam tão interessantes de outra forma - espero que tenham paciência com o tamanho final do post por conta dessa escolha. Realizadas por Lynzee Lamb, os entrevistados foram o animador francês Cedric Herole, o artista britânico de cenários de fundo Scott MacDonald - que atualmente está trabalhando nisso no anime "Gate: Jieitai Kanochi nite, Kaku Tatakaeri", do A-1 Pictures - e o art designer Yann Le Gall, que também é francês (clique aqui, aqui e aqui para ver a entrevista original de cada um, respectivamente). As partes destacadas em azul ou roxo são adições minhas com informações extras que julguei necessárias.
Seguem abaixo as entrevistas, junto com o texto de introdução do ANN. Além disso, recomendo como leitura complementar a matéria "Fabricando um anime" do site Anime.com.br, que explica de maneira aprofundada sobre as diferentes etapas de produção de um anime.
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Nos últimos meses a discussão voltou-se para
as condições de trabalho na indústria de animação japonesa. A veterana Sachiko
Kamimura (character designer em "City Hunter" e nos antigos OVAs de "Arslan Senki") comentou que há ocasiões onde os animadores ganham em torno de ¥ 120
por hora (R$ 3,07 na data original de postagem dessas entrevistas, e clique aqui para ver uma notícia de fevereiro do ANN sobre isso). Já um animador americano que
trabalha no Japão compartilhou suas próprias experiências (março desse ano, clique aqui para ver), chamando as
condições da indústria de "ilegalmente duras".
A Agência para Assuntos Culturais do governo
japonês, juntamente com a Associação de Criadores de Animação Japonesa (JAniCA), realizou um novo estudo a respeito das condições de trabalho, renda
média e carga horária dos novos animadores na indústria. O estudo constatou que
os jovens animadores trabalham em média 11 horas por dia, e animadores in-between (também chamados de douga) – muitos na faixa dos 20 anos – possuem uma renda anual de cerca de 1,1 milhão
de ienes [R$ 28.127,00] - clique aqui para ver um post de maio do ANN que resume o resultado dessa pesquisa, que teve 759 entrevistados. Outros afirmaram que essas experiências são
anedóticas, e que a instabilidade e os salários melhoram com o passar do tempo.
Enquanto isso, um programa para fornecer habitação a animadores de baixa renda
está tentando amenizar algumas das dificuldades - realizado por uma organização sem fins lucrativos, seu objetivo é providenciar dormitórios com aluguéis baixos a profissionais em início de carreira, clique aqui para ver uma notícia de abril do ANN comentando quanto a isso.
O Anime News Network estendeu a mão a outros
animadores estrangeiros que vivem no Japão para discutir sobre suas
experiências, salários e despesas enquanto vivem separados de suas famílias e,
possivelmente, falando pouco ou nada do idioma japonês. Conversamos com Cedric Herole, Scott MacDonald e Yann Le Gall numa série de três entrevistas.
*****
Cedric Herole
ANN: Quando você começou a trabalhar na
indústria de animes no Japão?
Herole: Minha primeira experiência de fato
foi na área de 3D, entre os anos de 2000 e 2001; com vinte anos eu fiz estágio
no pH Studio, em Tóquio, durante três meses. O projeto no qual trabalhei
tratava-se de um vídeo com informações de segurança para um parque de diversões
– esse foi também meu primeiro emprego, já que nunca havia trabalhado na França
antes. O vídeo foi feito em 3D, usando Lightwave; criei alguns modelos simples,
porém a minha principal tarefa era animação. Após isso voltei a França para o
meu primeiro trabalho como animador 3D, trabalhei cerca de dois anos, fui para
uma escola de animação 2D e depois retornei ao Japão para trabalhar no pH Studio em 2005.
Qual foi seu primeiro projeto de animação?
Tenho duas "primeiras experiências" em
2D, sendo a primeira no pH Studio em um vídeo musical para a NHK
intitulado "Minna no uta, Baby Rock." (como podem ver na página do Wikipedia, "Minna no Uta" é um tradicional programa de curta duração desse canal; veja uma edição dele, com a participação do AKB48, clicando aqui); fiz o storyboard, o desenho do cenário de fundo, animação e composição – trabalhei praticamente sozinho nesse projeto. Já
a segunda foi quando eu comecei a trabalhar para o Ankama Japan em 2010 como "key
animator", ou "genga man" (os desenhos chave que servem de base para os "in-between"). O projeto foi um especial de 45
minutos chamado "Ogrest the Legend" – a partir disso em 2011 eu
comecei a trabalhar como freelancer em key animation no anime
"Lupin the Third: Mine Fujiko to Iu Onna".
Como foi trabalhar nesse projeto? Quais foram
as limitações de tempo na época?
A maior dificuldade durante a minha primeira
vivência no Japão, por um longo tempo, foi o idioma; nunca usei inglês ou
japonês antes - eu tentei aprender por mim mesmo antes de ir, mas era bastante
desafiador. Na maior parte do tempo usava um inglês "quebrado",
tentando colocar algumas frases em japonês no meio o quanto podia. Apenas três
pessoas de doze falavam inglês no estúdio.
Outra dificuldade era a rotina diária de
transporte. Morando a mais de uma hora do estúdio, eu costumava pegar o trem
expresso, porém rapidamente o deixei de lado devido a superlotação, preferindo
gastar 30 minutos a mais na ida e na volta para poder respirar um pouco. Logo,
eu levava em torno de 90 minutos toda manhã e noite, ou três horas por dia
dentro do trem mais lento.
Para o meu primeiro projeto 2D, "Baby
Rock", fiz pequenos quadrinhos naquele tempo explicando o processo. (vejam
abaixo)
Meu primeiro trabalho como animador genga foi
no Ankama. Já que nunca passei pelo processo de douga (animadores japoneses
sempre começam desenhando in-between por alguns anos antes de
passarem para animação genga), eu comecei realizando um teste. Realizei um
período de avaliação durante um mês, deu certo, continuei por mais três com
salário melhor, e após isso fui admitido no estúdio como um de seus
funcionários.
Por ser a minha primeira experiência
verdadeira em animação japonesa tradicional eu passei muito tempo com o
diretor (Atsushi Takahashi, "Ao no Exorcist Movie") e o character designer e diretor de animação
(Hiroshi Shimizu, character designer de "Michiko to Hatchin") perguntando-lhes sobre como escrever um timesheet, como anotar as
in-betweens etc. Foi uma boa época, a equipe era excelente e sentia-me com
sorte de trabalhar aqui. Passei cerca de seis meses nesse local e fiz mais de
80 sequências (a junção de todas as animações que formam uma cena), eu acho.
Como foi trabalhar de freelancer?
Minha primeira experiência como freelancer
foi a mais difícil que já tive. Depois de sair do Ankama precisei encontrar um
emprego; eu não conhecia ninguém, ninguém me conhecia, tinha que provar a mim
mesmo novamente - para a indústria de animação 2D desta vez. Já estava com 30
anos, o que dificultava ainda mais para convencer os estúdios a me deixar
começar.
Felizmente, as pessoas que conheci no Ankama
me ajudaram a encontrar um emprego. Shimizu até convenceu o estúdio TMS a
dar-me um bom contrato para o anime de "Lupin the Third: Mine Fujiko to Iu
Onna". Meu salário era satisfatório, nada muito alto, mas definitivamente
maior do que qualquer animador poderia esperar para a sua primeira vez. O porém
era a carga horária; eu trabalhava sete dias por semana, 12 a 14 horas por dia,
tendo ainda horas extras que varriam a noite uma ou duas vezes por semana, isso
durante quatro meses. Eu inclusive fui chamado em noites de domingo à 1 da
manhã para ajudar em algumas sequências.
O período mais apertado do calendário foi
durante a fase final de produção. Quando terminei meu genga na segunda-feira o
episódio foi ao ar no dia seguinte após a meia-noite. Fiquei contente de
trabalhar nesse projeto, com artistas talentosos, mas eu prometi a mim mesmo
que "nunca mais". [Risos] Na verdade, fiz isso de novo, no mesmo ano,
mas aí é outra história.
Como você lidava com seus custos de vida?
Para o meu trabalho como empregado [no
Ankama] comecei com um salário mensal decente. No início eu ainda estava na
casa de um amigo meu, isso até obter meu próprio apartamento que era um pouco
mais perto do trabalho, mas ainda a 45 minutos de distância. A despesa de
viagem (o avião da França para o Japão, e o trem todos os dias) foi pago pelo
estúdio também, bem como meu visto de trabalho.
Basicamente, vivi meu primeiro ano como
freelancer com dinheiro que eu já tinha guardado, da poupança.
As suas condições atuais de trabalho sãos as
mesmas de quando começou?
Sou um freelancer, e apesar do fato de o
início ter sido um inferno, agora posso gerenciar melhor minha agenda e
escolher projetos, e depois de quase cinco anos acredito que possuo contatos o
suficiente para não ficar sem trabalho. Minhas condições são melhores, não faço
mais horas extras que atravessam a noite toda e posso descansar aos domingos.
Em geral, o meu salário também é melhor; eu costumava trabalhar em vários projetos
ao mesmo tempo [como um empregado], contudo o meu salário nunca mudava de
acordo com a quantidade de serviço, porém hoje posso ter diferentes contratos
simultaneamente e ser pago pelo tanto que eu faço. Também possuo mais
oportunidades para trabalhar com grandes estúdios, expandir minha lista de
contatos e fazer projetos. Posso até pegar alguns feriados!
"Sekai Seifuku: Bouryaku no Zvezda", de 2014 (key animator em cinco episódios)
Você tem qualquer outro emprego ao mesmo
tempo, enquanto trabalha com animação, para ajudar nas despesas?
Sim, trabalhando em vários projetos ao mesmo
tempo ajuda a ter um salário mais digno e evita diferenças entre os projetos.
Eu sou um key animator em 2D, chefe de animação em 3D, professor de animação 2D
em Tóquio e designer de monstros para jogos. Também faço alguns imageboards de tempos em tempos
para ajudar estúdios.
O que lhe mantêm dentro da
indústria?
Primeiro de tudo, era o meu sonho desde
criança vir para o Japão, então foi um desejo realizado!
Além disso, os animadores e designers daqui
são incrivelmente bons; sempre sinto que não posso competir com eles, mas é muito desafiador e gratificante. Aprendo bastante todos os dias. Posso mudar de ideia
no futuro, quem sabe, mas eu realmente não me vejo trabalhando em outro lugar,
especialmente porque a indústria de animação 2D está quase que morta na Europa
e América. Não estou interessado em trabalhar com animações ao estilo "Bob
Esponja": o Japão combina melhor comigo por enquanto.
**********
Scott MacDonald
ANN: Quando você começou a trabalhar na
indústria de animes no Japão?
MacDonald: Eu comecei a minha viagem na
indústria dos animes por volta de 2006, quando me matriculei em um curso de
animação numa escola técnica em Shinjuku, Tóquio. Aqui nós estudamos de tudo,
indo desde desenhos de layouts a
cenários de fundo, storyboards e até mesmo edição de vídeo. Eventualmente eu
encontrei o meu campo na arte de cenários de fundo e me concentrei nisso durante
o segundo ano.
Antes de me formar tive a oportunidade de
visitar o famoso estúdio de arte de cenários de fundo Kobayashi Productions, onde
ao olhar o meu portfólio o Sr. Shichiro Kobayashi (fundador do estúdio) me convidou a fazer um
estágio por lá, o qual comecei na semana seguinte. No entanto, foi algo
extremamente difícil, pois tudo era pintado a mão sem uso de Photoshop, método
que estressava bastante. Eu queria continuar, mas naquele momento não tinha
muita confiança; após algumas semanas pedi desculpas ao Sr. Kobayashi e me
retirei. Foi uma boa experiência, apesar de tudo.
Depois disso me concentrei em meu projeto de
graduação, e tive várias entrevistas para empregos como artista de cenários de
fundo, até que finalmente cheguei onde estou agora.
Qual foi seu primeiro projeto de animação?
O primeiro anime no qual trabalhei foi
"Bamboo Blade", uma série de TV exibida de madrugada que trazia um
grupo de garotas do ensino médio praticando kendo. Eu não era muito experiente
na época, então trabalhei apenas em algumas imagens de cada episódio.
Minha primeira série de TV de verdade, onde
me tornei membro permanente de um grupo (normalmente nós dividimos a equipe em
grupos para se concentrar em determinadas séries) foi "Asura Cryin'". Toda semana eu tinha entre 30 a 40 imagens para desenhar para
cada episódio, juntamente com outros trabalhos como OVAs, cenários de fundo para
jogos etc. Gradualmente, conforme o tempo avançava, e como minhas habilidades
melhoravam, recebi mais e mais trabalho, chegando a um montante de 50 a 80
imagens por semana.
Como foi trabalhar nesse projeto? Quais foram
as limitações de tempo na época?
Meu expediente variava a cada dia
dependendo da minha carga de trabalho e os prazos do anime. Normalmente, eu
começava a trabalhar por volta do meio-dia e terminava lá pras 20:00 horas caso não
estivesse ocupado, porém às vezes poderia continuar até o horário do último trem.
Tudo dependia.
Onde você morava no Japão e como lidava com
suas despesas?
Quando entrei na empresa eu estava vivendo em
Yokohama, mas o estúdio é sediado em West Tokyo, o que resultava em uma viagem
de 90 minutos de trem todos os dias. Parece bastante tempo, mas me acostumei
com isso facilmente.
No primeiro ano eu tinha um salário mensal
bruto de ¥ 160,000 [R$ 4.091,20], e os meus custos com transporte eram pagos
pela empresa. Não estava rico, mas também não morria de fome – eu ainda podia
sair com meus amigos nos fins de semana.
Tenho de admitir que houve alguns momentos
onde a última semana antes do dia de pagamento foi difícil, mas não deixei isso
me derrubar. Após o primeiro ano mudei para pagamento avulso (ganha-se por desenho feito), onde eu
precisava desenhar o máximo que conseguisse para obter um bom salário. Agora,
porém, novos funcionários tem a opção de ficar em um salário fixo por até três
anos antes de haver essa mudança – eles também têm dois dias
de folga por semana e hoje começam recebendo ¥ 200,000 [R$ 5.114,00] em valores
brutos. Infelizmente, nós só folgamos nos domingos [Risos].
Para aqueles que são mais rápidos e
qualificados, mudar para o sistema de pagamento avulso é mais gratificante,
porém ainda não há nenhuma garantia de que vão ganhar acima de ¥ 200.000 por
mês. Em média, um artista regular de cenários de fundo pode ganhar em torno de ¥ 250.000 [R$ 6.392,50] nesse modo de pagamento. Claro, alguns ganham
muito mais do que isso - é completamente dependente das habilidades e motivação
da pessoa.
Cenário de fundo é geralmente pago de acordo com
o tempo necessário para cada um. Imagens básicas saem por volta de ¥ 1.300
[R$ 33,24] cada, porém pode chegar a cerca de ¥ 8.000 [R$ 204,56] para cenários mais detalhados, e valores ainda maiores para cenários de jogos. Trabalhos em filmes, jogos e pachinko também saem geralmente mais caros do que para animes.
Houve alguma razão para você ter escolhido
morar tão longe de seu trabalho?
A razão era simplesmente porque eu dava aulas
de inglês numa escola infantil na parte da tarde e início da noite, enquanto
frequentava uma escola de língua japonesa. Eu gostei de viver por lá, e pagava
¥ 55.000 [R$ 1.406,35] de aluguel por mês em um apartamento, preço muito
razoável.
Contudo, mudar de casa pode ser extremamente
caro, visto que você precisa pagar até cinco ou seis meses de aluguel adiantado
(aluguel do primeiro mês, depósito do aluguel do segundo mês, um ou dois meses
de aluguel como "Agradecimento" e um mês de aluguel como taxa para o agente imobiliário, além de seguro), então
eu decidi ficar lá por enquanto. Mas, uma vez que me tornei diretor senti que
era hora de mudar para um lugar mais conveniente e um pouco mais sofisticado –
além disso, após o grande terremoto eu queria ter uma sensação maior de segurança, então me mudei para um novo
apartamento, esse mais caro, com aluguel um pouco abaixo de ¥ 100.000 [R$
2.557,00]. Várias pessoas tendem a morar próximas do estúdio aqui em West
Tokyo; é uma área bastante razoável para se viver, mas um tanto interior demais
para o meu gosto, então decidi ficar em Shinjuku, no centro de Tóquio.
"Dog Days" (diretor de arte)
As suas condições atuais de trabalho sãos as
mesmas de quando começou?
Houveram certas vezes, até poucos anos atrás,
que a fim de cumprir prazos alguns de nós trabalhariam durante a noite – uns
inclusive deixavam cobertores embaixo de suas mesas caso fosse necessário. Mas,
por conta de movimentos dentro da indústria, principalmente devido a uma famosa
empresa ter sido levada ao tribunal por conta do tratamento dado ao seu
pessoal (nesse caso o Studio Easter, estúdio subcontratante em centenas de animações, que foi processado por três ex-funcionários em 2012 por não pagar horas extras e cortar salários), nossa situação melhorou em muitos aspectos. Nós já não trabalhamos
durante a noite, por exemplo. Além disso, nossa empresa tende a terceirizar o
trabalho para outros estúdios nacionais ou internacionais para amenizar o
estresse nos funcionários próprios. É claro que ainda é um trabalho duro, porém
agora temos um pouco menos de pressão que eram resultantes de prazos impossíveis de serem
cumpridos.
Ademais, quando entrei na empresa eu tinha
que cuidar do meu seguro de saúde e imposto residencial por conta
própria, muitas vezes ocasionando em falta de pagamento, mas hoje a empresa lida
com isso também. Nós ainda recebemos um bônus duas vezes ao ano, igual a
diversas outras empresas japonesas. Óbvio que não é tão alto quanto outros
bônus, mas é um bom extra!
Você tem qualquer outro emprego ao mesmo
tempo, enquanto trabalha com animação, para ajudar nas despesas?
Agora, como diretor de cenários de fundo, em
comparação ao salário do meu primeiro ano, eu agora faço qualquer coisa com um
vencimento de três a quatro vezes maior.
Consegui mudar-me para um condomínio bastante conveniente e agradável que fica
a apenas dez minutos a pé da estação de Shinjuku, e não precisei obter outros
empregos desde que cheguei aqui, a não ser ensinar inglês numa escola para
financiar os meus dois anos estudando japonês e outros dois anos em uma escola
técnica. Fiquei muito agradecido por ambas as escolas, que tinham regimes de
pagamentos mensais, pois dessa forma poderia paga-las enquanto trabalhava
normalmente, ao invés de ter que cobrir uma quantia inicial.
O que lhe mantêm dentro da
indústria?
Acho que é a satisfação que tenho quando vejo
o resultado final na TV ou no cinema, recebendo em seguida feedback das pessoas
que o assistiram - gosto de ver as obras nas quais trabalho, e ler comentários
no Twitter, blogs ou em fóruns após cada episódio. Há também os eventos onde
posso me encontrar com fãs, e toda vez me espanto com o entusiasmo deles; é de
fato incrível de se ver. Todos os dias eu venho trabalhar e nunca sei o que me
pedirão para desenhar, ou em qual obra estarei trabalhando: hoje desenho o
interior de uma baleia, amanhã será um castelo, na próxima semana poderei estar
desenhando o centro de Shibuya... todos os dias são diferentes, e essa é a
graça. Claro que há coisa que eu odeio desenhar, mas é uma carreira e um
trabalho, logo tenho que concluir cada tarefa e desafio da melhor maneira que
puder.
**********
Yann Le Gall
ANN: Quando você começou a trabalhar na
indústria de animes no Japão?
le Gall: Comecei a trabalhar no Japão em
outubro de 2008 como um layoutman em cenários de fundo (ou seja, desenhava esboços básicos das cenas) para um anime chamado
"Basquash!".
Qual foi seu primeiro projeto de animação?
Essa obra foi originalmente criada por Shoji Kawamori ("Macross", "Tenkuu no Escaflowne") e Thomas Romain (diretor de arte em "Nobunaga the Fool" e "AKB0048"), um francês que estava no comando da direção de arte,
principalmente a arte de fundo. Ele queria ter uma pequena equipe de profissionais franceses para trabalhar no projeto, uma vez que o estilo de arte era bastante
único em comparação com os padrões japoneses.
Então me candidatei, voei para o Japão e
comecei a trabalhar no estúdio Satelight ("Log Horizon", "Nagato Yuki-chan no Shoushitsu", clique aqui para ver um vídeo mostrando as dependências e entrevistando empregados do estúdio, entre eles Thomas Romain). Eu não podia falar nada de japonês
naquela época, mas não era algo obrigatório para o trabalho, já que Thomas
Romain estava supervisionando as minhas tarefas e ele poderia cuidar de toda a
tradução.
Como foi trabalhar nesse projeto? Quais foram
as limitações de tempo na época?
Meu salário era muito confortável, o
suficiente para pagar mais do que um estilo de vida decente. Porém, como seria
de esperar, nós tínhamos que trabalhar muito; durante os últimos seis meses de
produção estávamos fazendo uma carga horária de 12 a 14 horas, às vezes 16
horas por dia. E seis dias por semana. Bem, nos sábados a tarde podíamos
terminar um pouco mais cedo do que o habitual.
As suas condições atuais de trabalho sãos as
mesmas de quando começou?
Depois do primeiro ano trabalhando em
"Basquash!" eu passei um curto período de tempo na Ankama Japan. Essa
é uma empresa francesa com sede no Japão, porém o departamento de animação foi
fechado. Como era uma empresa francesa, as condições de trabalho eram
basicamente as mesmas que na França: cerca de 7 a 8 horas por dia,
com um salário decente.
Então voltei ao Satelight para trabalhar
novamente com o "Time Francês", como nossos colegas japoneses
gostavam de chamar – ele é comandado por Thomas Romain e Stanislas Brunet, um
francês designer de mechas. Desta vez eu não era um layoutman,
e sim um designer de cenários de fundo. Nós começamos a atuar principalmente na
pré-produção de várias séries de TV do Satelight.
Trabalhar na pré-produção numa posição
criativa significa um salário melhor e horários mais leves, visto que ainda
temos muito tempo antes do anime ser exibido. Graças à experiência adquirida em
"Basquash!" eu me senti mais confortável para fazer cenários, sendo
capaz de desenhar melhor e mais rápido. Normalmente trabalhávamos de 8 a 9
horas por dia, às vezes 10 horas nos dias mais movimentados, nada comparado com
a época de "Basquash!".
Continuei trabalhando por dois anos como
designer no Satelight, e em seguida pedi demissão e voltei para a França no
final de 2011. Após deixar o Japão e sua indústria de anime eu tentei de alguma
forma manter um pé nesse ramo.
Você tem qualquer outro emprego ao mesmo
tempo, enquanto trabalha com animação, para ajudar nas despesas?
Da França tive a chance de trabalhar para o
estúdio Madhouse como designer freelancer para o anime "No Game, No Life" em 2013 - eu lidava diretamente com o diretor e produtor via e-mail
e Skype. Novamente tinha prazos longos; na verdade, eles nunca os mencionavam,
mas fazia o meu melhor para finalizar os desenhos o mais rápido que pudesse. O
salário era menor em comparação com o Satelight: como freelancer eu era pago
por desenho a uma taxa muito básica, não por dia de trabalho. Porém, eu poderia
atuar em outros projetos mais lucrativos ao mesmo tempo, então não era
algo tão preocupante.
Em 2014 trabalhei com o estúdio
franco-japonês Yapiko Animation, mas novamente as condições de serviço foram
bastante diferentes, e não era para uma animação japonesa.
Agora em 2015 estou me preparando para voltar
ao Japão, pois sinto falta de morar e trabalhar por lá!
O que lhe mantêm dentro da
indústria?
Considerando tudo, acho que tive muita sorte
em ter uma grande variedade de experiências e boas condições de trabalho na
maioria das vezes. E graças aos meus contatos eu nunca realmente me precisei
esforçar muito para encontrar serviço.
Eu acredito que é possível trabalhar na
indústria de animação japonesa com um estilo de vida decente, especialmente se
você busca por trabalhos criativos, como design, se você possui habilidades
suficientes para fazer bons desenhos rapidamente, ou se você pode trazer
qualquer valor técnico ou artístico a um projeto que a equipe japonesa dificilmente
poderia obter por si mesma - como algum estilo de desenho pessoal ou direção de
cor, ou algumas boas habilidades em animação CG.
Obs: Yann Le Gall possui um perfil no Twitter onde ele posta de vez em quando artes feitas para animações e jogos - clique aqui caso queira dar uma olhada.
Obs: Yann Le Gall possui um perfil no Twitter onde ele posta de vez em quando artes feitas para animações e jogos - clique aqui caso queira dar uma olhada.
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