12 de janeiro de 2014

Especial: Akihabara - Parte 2




Na abertura de nossa série de 4 partes sobre Akihabara, revelamos que a cidade é um mercado vibrante dominado por interesses individualistas. Vendedores pré-guerra abandonaram as frutas por peças eletrônicas quando a febre do rádio começou, e o subsequente mercado de eletrônicos mostrou que esse era um caminho mais que seguro. Depois que a economia tropeçou, essas peças eletrônicas por sua vez foram suplantadas por computadores caseiros e acessórios relacionados. Essa parte 2 procura responder: como fomos de microchips a moe.

Kaichiro Morikawa é um pesquisador e professor nas melhores universidades japonesas nos campos de design e arquitetura. Ele publicou vários trabalhos sobre cultura otaku através de visões pós-modernistas. Entre eles, o estudo da relação entre cultura e espaço pessoal, "Akihabara: O Nascimento de uma Personalópolis", foi inspiração para esta série. Começaremos com a teoria de Morikawa sobre quais são as características definidoras de um otaku, para nos ajudar a entender melhor a conexão entre consumidores de eletrônicos e anime antes de explorar como a mídia falsificou uma imagem negativa da subcultura, e o impacto que isto teve em Akihabara e na sociedade em geral.

Esse post é uma tradução feita pelo colaborador WL – clique aqui para ver seu perfil no Twitter. O texto original pode ser conferido no blog Tokyo Scum.



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O Que Define Um Otaku


Habitat natural típico de um otaku dos anos 80


Morikawa explica a mentalidade otaku em termos de espaço. Mais precisamente, a maneira com que eles tentam manipular o espaço ao redor deles. Como mencionado na Parte 1, a primeira geração de otakus verdadeiros foi criada em seus quartos. Eles encheram suas estantes com figures e mangás, lotaram as paredes com pôsteres e idols. O motivo não era apenas ocupar espaço, mas preenchê-lo com símbolos cuidadosamente escolhidos que representavam seus gostos pessoais.

O ato de colecionar foi seguido pelo de internalizar: memorizar diálogos, especular teorias, criar dojinshis, e outras atividades que exercem influência sobre os animes que eles amam. Como a imagem do otaku é definida pelo gosto pessoal, reestruturar elementos de um anime para combinar com suas preferências significa controlar a própria essência de sua existência.

Ou seja, preferência define o ser. Dominar o objeto de sua preferência é dominar o ser.

Esse desejo inato de dominar e controlar os objetos de desejo é o elo perdido entre otakus de computadores e de animes. Da mesma maneira que dojinshis permitem ao artista exercer autoridade sobre um personagem com características que eles (os otakus) acham atraentes, um usuário de PC (PC significando computador pessoal, ênfase no pessoal) tem controle completo no espaço dentro de uma máquina, contanto que eles dominem o código.

Códigos de programação são a maioria em inglês, a língua da cultura ocidental invasora, "superior". Em vez de se isolarem ou revoltarem contra essa força exterior, otakus dos anos 80 a aceitaram reapropriando itens que satisfaziam suas necessidades e rejeitando o resto, efetivamente neutralizando os atacantes e virando suas armas conta eles próprios. Enquanto o Japão manteve costumes tradicionais xintoístas e agregou versões modificadas do Budismo e Cristianismo, otakus aceitaram a cultura estrangeira dos computadores, dominando o código para que ele mostrasse imagens de garotas moe.



A aterrorizante habilidade otaku de alterar o ambiente e a cultura de acordo com suas vontades estava primeiro limitada ao espaço pessoal deles - seus quartos. No entanto, lojas de computadores e dojinshis logo se espalharam por Akihabara como formigas no doce, dominando prédios mal iluminados e invadindo espaços abandonados onde o calor dos eletrônicos ainda era aparente. Com o tempo esse crescimento se espalhou pela cidade inteira, uma invasão incansável que expulsou os habitantes originais.

Morikawa afirma que a própria cidade se tornou uma extensão do quarto otaku. Pense por um momento e imagine o que é estar em Akihabara:

Com as paredes e topos de prédios ocupados, o marketing otaku se espalha pelo chão para envolver os visitantes por todos os lados.


Do momento em que você sai do trem, é óbvio que alguma coisa está estranha. Propagandas mostrando bishojos decoram todas as paredes da estação. Heroínas da mais recente light novel sorriem pra você de um muro na rua. E logo ao sair pelo portão da Cidade Elétrica suas orelhas são atacadas por um J-Pop da Sakura Gumi ou qualquer outro grupo. Você olha ao redor tentando se orientar, apenas para descobrir um punhado de adolescentes fictícias de cabelo colorido, seus olhos enormes acompanhando cada movimento seu.

Essa experiência desorientante não é diferente de entrar no covil de um otaku hardcore, estantes entupidas de figures moe e paredes lotadas com garotas 2D ou idols 3D tentando ser 2D.



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A Cidade Maldita dos Dojinshis


Perceba que a mudança de eletrônicos para moe aconteceu naturalmente. Tudo resultou de fãs que eram consumidores de seus próprios produtos. Mas não confunda isso com as raízes de um movimento - não era movimento nenhum, apenas pessoas agindo independentemente com um objetivo em comum. Não havia nenhum Projeto Instrumentalidade Akihabara, nenhum corporata tentando ganhar dinheiro com "moeconomia". Não, isso viria depois com abutres oportunistas da mídia e o ardiloso governador Ishihara.

Não importa o quanto fãs possam ser, exercer influência no espaço do mundo real requer recursos do mundo real. Bens otaku estavam lentamente ganhando terreno sobre eletrônicos por causa de necessidade econômica, mas animes e computadores possuíam uma audiência restrita. As coisas perderiam o embalo logo caso não conseguissem atingir um público maior.

Otakus eram uma subcultura verdadeiramente underground através dos anos 80, largamente desconhecida do público e ignorada quando percebida. Isso mudaria com uma sensacional sequência de sequestros - assassinatos em 1989, quando Tsutomu Miyazaki de Saitama foi condenado a morte por assassinar e molestar os cadáveres de 4 garotas entre 4 e 7 anos de idade.

Quarto de Miyazaki


O subsequente circo midiático expôs Miyazaki como um maníaco colecionador de fitas, apresentando ao país inteiro diversas fitas VHS empilhadas até o teto de seu precário apartamento. Miyazaki seria o primeiro encontro cara-a-cara do público com aquilo que o noticiário apresentava como "otaku", e os detalhes macabros de seus crimes e vida pessoal eram terríveis.

Sua obsessão com garotas jovens, seu catálogo de animes e filmes violentos, sua personalidade isolada - todos esses elementos juntos viraram uma perfeita tempestade de publicidade negativa para solidificar a imagem dos otakus como pedófilos asquerosos que nunca se aventuravam pela luz do dia, com os animes sendo culpados por associação.

Em 2005 foi revelado que muito da pornografia e material lolicon "descobertos" no quarto de Miyazaki foram, na verdade, plantados por equipes de televisão para aumentar a audiência. Alguns afirmam que era um plano da mídia para atacar o mercado de VHS que estava ameaçando seus lucros. Mais fitas e OVAs significavam menos audiência para canais de TV.

Não importando os motivos políticos para a caracterização que Miyazaki teve, os resultados foram os mesmos. Sexo, violência, e a resultante corrupção da juventude japonesa viraram tópicos de discussão.

Simulador "177"


Jogos pornográficos de computador, ou eroge, já eram um segredo público na época. Simulador de casamento/estupro com menores de idade "177" foi julgado pela Câmara dos Representantes por indecência em 1986, e enquanto a legislação baniu alguns títulos que atraíram o desprezo do público, computadores caseiros eram muito underground para chamar atenção. Isso tudo mudou em 1991, quando um estudante do ensino fundamental de Kyoto foi pego no flagrante ao tentar roubar uma cópia do eroge Saori: Bishoujotachi no Yakata.

Capa de Saori


O garoto deveria ter saído dessa com um tapa no pulso e uma ida patrocinada pelo pai a alguma soapland pra ele aprender o que é. Em vez disso, o incidente virou manchete por causa do conteúdo do jogo - não as partes eróticas sem censura, já que elas eram praticamente padrão (e ilegal, mas ignorado) na época - mas por causa do cenário extremo onde uma menina é capturada e mantida sob cativeiro numa mansão, onde ela presencia atos de incesto e relações entre professores e alunos.

Pais exigiram sangue, comandando multidões furiosas a procurar o presidente da companhia que publicou Saori, Fairy Tale, onde ele foi preso sob acusações de distribuir material indecente. A Organização pela Ética nos Softwares de Computador foi fundada no ano seguinte, para garantir que o monstro permanecesse morto.

Com o primeiro tiro disparado, políticos não perderam tempo em declarar temporada de caça aos eroges. A Lei Municipal de Proteção Juvenil foi alterada para incluir jogos de computador sob a classificação de "Livros Prejudiciais", a mesma classificação que tentou boicotar Go Nagai e Osamu Tezuka nos anos 70 pela imagem sexual "chocante". Isso foi apenas mais um numa longa linha de escândalos que transferiam poder de expressão dos criadores a associações de pais e professores. Nesse sentido, pode-se argumentar que o incidente Miyazaki ajudou a preparar o palco para a recém aprovação do Ban aos Mangás - onde a novela comandada por Ishihara teria ido se o público já não estivesse acostumado a desprezar otakus?


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No Rastro do Apocalipse

Com o mundo contra eles, a única esperança de salvação viria da própria comunidade. Um dos reis dos otakus, diretor Hideaki Anno, estava prestes a nos dar um mártir que morreria pelos pecados dos animes, mudando nesse processo a maneira com que o mundo via e consumia cultura nerd.

Neon Genesis Evangelion” foi exibido de outubro de 95 a março de 96. Foi um dos últimos animes para adultos exibidos no horário nobre, mas seguindo o precedente de sucessos clássicos como “Mobile Suit Gundam” e “Uchuu Senkan Yamato”, Eva só encontraria seu verdadeiro sucesso nas reprises à meia-noite. De fato, a audiência anormalmente alta foi tão impressionante que ajudou a criar o atual (e muito odiado) modelo de anime na madrugada.

Surfando uma onda tóxica liberada com o estouro da bolha econômica, e competindo pela audiência com a cobertura dos ataques com gás sarin no metrô de Tóquio realizados pela seita Aum Shinrikyo naquele mesmo ano, Eva sincronizou com a mentalidade nihilista e se alojou nos corações de uma geração que, pela primeira vez desde a guerra, estavam incertos com relação ao futuro do país.

Falta de comunicação na chamada era da comunicação, o apocalipse iminente tornado realidade, uma forte combinação de sexualidade adolescente e violência constante, mechas gigantes lutando contra aberrações ao som de música clássica - qualquer que fosse a mensagem a ser encontrada em Eva, ela ecoou na população, e converteu pessoas em otakus.

A reprise de Eva causou um Segundo Impacto literal para a cultura otaku. Repentinamente, mídia que não tinha porque discutir anime dedicava cobertura séria a Evangelion. Gelget Shocking Center foi o primeiro de vários programas de rádio a convidar dubladores e produtores ao estúdio para discutir sobre o anime.




Shinji apareceu na capa da Studio Voice, uma revista sobre cultura pop dedicada às mais recentes tendências. Até mesmo a revista de crítica de cinema de alta classe Kinema Junpo apresentou resenhas e artigos sobre o filme “End of Evangelion”.




Quando um cavalo paraguaio ganha muito, as pessoas param e reparam. Eva gerou aproximadamente 30 bilhões de ienes (mais de 660 milhões de reais), se tornando mais do que um anime bem sucedido. Foi um fenômeno cultural cujos capitais econômico e cultural legitimaram animes como negócio e forma de arte. Otakus deram a volta por cima, como o garoto que era humilhado na escola virando o chefe da corporação onde seus torturadores trabalham.

Mesmo com seu sucesso explosivo, Eva acabou por ser um falso profeta. Embora tenha feito rios de dinheiro e ajudado a melhorar a imagem pública do hobby otaku, ele não era representante dos animes como um todo. Só porque alguém pensou que Rei era "bem bonita para uma menina num desenho" não significava que eles estavam prontos para pular na mistura moe que cobria o meio.

E então a bolha de Eva logo estourou, acabando com a alegria da indústria de animes junto com qualquer esperança de que obras originais sejam exibidas novamente em horário nobre. Isso não impediu Akihabara. Seus cofres estavam cheios por causa do florescente mercado de bens de personagens, dando a eles o monopólio do negócio. A imagem moderna da cidade como terra sagrada otaku estava tomando forma. A palavra "moe" ganhava terreno. Tudo que precisava agora era um mascote, que será apresentado no próximo post.



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2 comentários:

  1. Bom post , bem informativo aguardando os próximos :D

    Ate + o/

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  2. Opa, admito que não gostei muito da parte 1, mas essa 2 foi maneira, muito boa

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