Personalidades históricas masculinas transformadas em belas garotas: mesmo cometendo alguns tropeços, a parceria envolvendo a Madhouse resulta no melhor anime já feito com essa ideia
Ano: 2012
Diretor: Yuuji Kumazawa
Estúdio: Madhouse / Studio Gokumi
Episódios: 12
Gênero: Ação, Comédia, Romance
De onde saiu: Light novel, 9 volumes, em andamento.
*****
Yoshiharu Sagara se vê no meio de uma batalha no Período Sengoku, momento histórico conturbado do Japão que ele tanto adora e conhece por causa de um jogo chamado “Nobunaga's Ambition”. Sem ter noção de como foi parar ali, esse estudante de dezessete anos tem sua vida salva por ninguém menos que Kinoshita Tokichiro (ou Toyotomi Hideyoshi), um importante nome dessa era; porém, esse ato acaba causando a morte daquele que um dia terminaria o processo de unificação de todo o país.
Poucos instantes depois, Sagara conhece o respeitado Oda Nobunaga – senhor feudal que deu início à unificação do Japão -, ou, pelo menos, sua versão feminina, Oda Nobuna. Ele logo percebe que, no mundo onde se encontra, grandes personalidades da época são representadas por lindas garotas ao invés de homens, e alguns dos fatos históricos presenciados ali não batem com o que é conhecido através dos livros – ou dos jogos, no seu caso. Falhando ao tentar protege-la de um ataque inimigo, mas chamando sua atenção, a jovem Oda Nobuna recruta Sagara para ser um de seus servos, e este passa a servi-la com o intuito de substituir Kinoshita Tokichiro e impedir que o curso da História mude drasticamente, enquanto tenta descobrir um meio de voltar para o seu tempo.
Ah, “Oda Nobuna no Yabou” pode se aproveitar de uma fórmula desgastada demais, que é a de mudar o sexo de nomes famosos da história mundial (o pobre Oda Nobunaga, aqui uma garota loira e tsundere, já teve cabelos rosa, ruivos, bustos largos e bustos imensos, foi lésbica e até por loli se passou...), principalmente os japoneses do Período Sengoku, mas uma ressalva dever ser feita a ele por um motivo um tanto quanto óbvio: sua origem. Seja porque a obra original não inspirava confiança, ou porque tanto essa quanto o estúdio responsável por sua adaptação não possuíam lá uma boa reputação, esse tema nunca teve, realmente, animações tratadas com maior cuidado. Brains Base tem renome e é um ótimo estúdio, mas sua versão sofrível de generais moe lançada esse ano veio de um mero jogo de cartas (Sengoku Collection); por outro lado, “Shin Koihime Musou” saiu de um duvidoso “eroge” e foi produzido pela Dogakobo, enquanto que “Hyakka Hyouran: Samurai Girls” e “Ikkitousen” vieram da ARMS, estúdio ex-produtor de hentais, e que atualmente tem sua atenção voltada para séries de TV descerebradas repletas de fanservice e seios à mostra... Entretanto, “Oda Nobuna no Yabou” não só vem de uma obra prestigiada, como tem a inusitada participação da grande Madhouse na sua produção, que formou parceria com o Studio Gokumi, empresa novata fundada em 2010 e criadora de animes como “A-Channel” e “Saki: Achiga-hen”. O fanservice de vez em quando fala mais alto no momento errado e atrapalha, a história a partir de sua metade fica corrida e perde força, e várias das garotinhas lindinhas não passam disso, de rostinhos bonitos: mas, no geral, “Oda Nobuna” se torna uma obra no mínimo divertida e visualmente atraente, e certamente a melhor a usar mão de uma fórmula tão genérica.
O anime não desperdiça tempo com explicações demoradas e grandiosas para justificar seu cenário; Sagara apareceu do nada no século XVI (o Período Sengoku ocorreu entre 1467 a 1573, sendo que os personagens retratados são do final dessa era) e, na realidade, pouca importância – nenhuma, praticamente - é dada ao porque de ele estar ali. Quanto às garotas, é explicado no início que, com o intuito de evitar conflitos internos, um acordo foi feito entre os clãs para que a primeira criança nascida em suas famílias se tornasse a nova líder, ainda que fosse do sexo feminino; e quis o destino que nascessem logo várias mulheres em sequência... Pronto, tudo resolvido. Segue-se a história.
“Oda Nobuna” começa de uma maneira ordinária e sem grande impacto: se o primeiro episódio gasta todo o seu tempo introduzindo a situação e os personagens de nomes complicados, o segundo vem com um draminha simples, ingênuo, que serve somente para iniciar de vez a relação de Sagara com Nobuna, resultando assim em boas e breves cenas entre os dois. Porém, a partir do agitado terceiro episódio, a série revela uma faceta diferente, que passa a distingui-lo sensivelmente de obras semelhantes; misturando curtas sequências de ação com intrigas militares, o anime dá o devido cuidado (o quanto é possível levando em conta seu gênero e público alvo) ao fator histórico/político do ambiente à sua volta, deixando claro que se utilizará dele como pode para o desenvolvimento de seu enredo e personagens. Ao contrário de outras animações que pegam emprestado Odas Nobunagas e afins e os inserem em tramas sem muita ou nenhuma ligação com suas vidas (além de frequentemente jogá-los em épocas futuristas ou no presente), “Oda Nobuna no Yabou” se mostra um anime de época minimamente fiel – apesar de que, aos poucos, ele vá construindo sua própria história, se distanciando dos fatos reais, ou do modo como eles ocorreram. Mas, primeiro, vale abordar mais a fundo aqueles que participam desses acontecimentos.
De vez em quando dá uma de tarado, em outras fala uma bobagem típica de adolescente, e jamais percebe os sentimentos da garota que o ama; Sagara não deixa de ser um habitual protagonista de harém tonto e desligado, para não dizer pervertido e tapado, mas tem uma presença de espírito significativa o suficiente para atrair um pouco a atenção para si em certos instantes - mesmo em meio a tantas personagens femininas -, principalmente quando se interage com Nobuna ou aproveita de seu conhecimento dos eventos futuros para passar por cima dos obstáculos presentes (trapaça, mas quem não faria isso se viajasse ao passado?!). E esse é um dos motivos de “Oda Nobuna” se sobressair no seu subgênero: um protagonista com um pingo de inteligência e carisma, que se atira sobre as mulheres ao invés de fugir delas, e que exibe uma grande confiança em si mesmo na maior parte do tempo – um personagem principal apagado num anime desses já é meio caminho andado para a obra falhar em seu todo. Mas, claro, quem acaba se destacando mais é a nova versão de Oda Nobunaga.
O desenvolvimento de maior profundidade do elenco de “Oda Nobuna no Yabou” se restringe a apenas esse casal, os únicos protagonistas a propósito, pois ao restante pouco espaço é dado - com exceção de algumas personagens que, pela importância em determinados trechos da história, ganham um realce especial nessas horas. Mas, no geral, o “character design” suave e redondo (grande contraste ao que geralmente se vê em produções da Madhouse) das garotas e seus trejeitos marcam mais do que qualquer outra coisa. É moe, e em um nível altíssimo! De peitudas agressivas ou submissas a “femme fatales”, tsunderes testudas ou loiras e um amontoado assustador de lolis, todas possuem traços chamativos e encantadores, não causando surpresa a decisão de alguns em dar continuidade ao anime somente por causa de seu visual detalhado e colorido. São bonitinhas, são graciosas, são lindinhas e fofas no caso das pequenas, e, claro, não teria como o anime não levar vantagem nisso ao provocar um fanservice ocasional sobre elas. Um fanservice quase inofensivo, que, todavia, incomoda e estraga certas cenas; mas, por conta da boa história, mal consegue se tornar a principal atração da série. Entretanto, a partir da metade do anime é sensível o quão esse seu conteúdo se acentua, ao mesmo tempo em que o enredo perde força – e, coincidência ou não, é justamente aqui onde a adaptação toma caminhos opostos ao da obra original.
Como disse antes de entrar na questão dos personagens, “Oda Nobuna no Yabou” esboça uma cativante intriga militar ao usar mão dos eventos ocorridos no Período Sengoku, tendo nisso a liberdade poética de modifica-los pouco a pouco para seguir um rumo original e único. Quase sempre fechando seus episódios em momentos clímax da história, a qualidade técnica da Madhouse faz diferença ao criar curtas (curtíssimas, infelizmente), mas muito bem feitas cenas de batalhas, nas quais se veem jogos de câmera dinâmicos típicos do cinema e uma quantidade alta de frames – sem falar, no anime como um todo, dos cenários minuciosos e vivos. Repleto de reviravoltas, algumas esperadas, outras nem tanto, essa parte da trama satisfaz por não parecer somente um monte de lutas sem propósito; é Oda Nobuna tendo convicções consistentes para tentar unificar todo o Japão sob o seu nome – e Sagara prometendo e ajudando-a a realizar seu sonho -, e para isso alianças, traições e surpresas lhe aguardam a sua frente, com breves justificativas e debates. Contudo, o anime não comete o erro de se levar a sério demais; antes de ser um pretensioso e denso épico de guerra, “Oda Nobuna” opta por uma diversão descompromissada com pitadas dramáticas pontuais, algo que pode ser confirmado, por exemplo, pelo modo geralmente leve que ele termina a maioria das situações graves. Enquanto isso, a boa relação de Nobuna com Sagara segue paralela a esse tema, não ofuscando e nem sendo ofuscada por ele.
Mas, a partir do instante em que o anime chega a uma nova fase, ele acaba por cometer erros contínuos em seu roteiro, quase jogando fora tudo de bom que sua primeira metade criou. Personagens novos adicionados às pressas que mal são utilizados, e novos vilões pobres e caricatos são alguns problemas que surgem. Além disso, a veia política e aventureira permanece, mas enfraquece e fica apressada ao espremer-se em meio a eventos forçados e crescente fanservice – não digo que fanservice é ruim e desnecessário, mas apenas que não aparece exatamente na hora certa. Se os episódios iniciais carregavam diálogos e acontecimentos atraentes e inesperados (como os entre Nobuna e Sagara), é frustrante testemunhar como a parte final do anime abusa constantemente de lugares-comuns para avançar sua história, chegando ao ponto de se tornar imensamente previsível e batida – resumindo, fizeram um ótimo trabalho inicial de adaptação, mas se perderam ao tentarem montar algo próprio. É tamanha a preguiça e falta de criatividade do roteiro que, se não fosse pelo visto anteriormente, “Oda Nobuna no Yabou” só seria “mais um” anime a pegar nomes históricos masculinos e transformá-los em mulheres. Nesse processo de derrocada, nem a animação escapa, e a Madhouse exibe aqui uma qualidade inferior nas sequências de maior movimento, e o mais prejudicado nisso são as cenas de ação, não tão dinâmicas e sedutoras quanto antes.
Só que há um porém importante: di-ver-são. Sua trama perdeu aquele brilho do começo, e inclusive Sagara e Nobuna imergem em um romancezinho barato; mas, ainda assim, apenas o carisma desses personagens e seus coadjuvantes, junto com os conflitos que enfrentam e a boa e forte trilha sonora (única que não se altera do início ao fim) são o suficiente para continuar atraindo o espectador com ótimos momentos sentimentais e angustiantes. Tudo caiu para um nível de anime de ação vulgar, lá e cá surgem vários “dejá vùs” ("já vi isso em algum lugar..."), mas, querendo ou não, empolga ver um personagem ressurgindo do nada para salvar todos ou uma reviravolta exagerada ocorrer durante uma luta, nem que se estivesse demasiado óbvio de que isso aconteceria. Não que o anime fosse todo inovador e autêntico no começo – e narra fatos reais reescritos à exaustão, difícil surpreender mesmo mudando algumas coisas -, mas lá atrás a forma como isso se passava era mais bem elaborada e, assim, aceitável. Se as intrigas militares não deveriam ser levadas tão a sério a princípio, aqui elas devem ser vistas unicamente como um mero pretexto para as – agora não tão boas – cenas de ação e drama. Diverte, emociona (tenho de dar o braço a torcer, fui fisgado por algumas partes dos episódios finais mesmo tudo sendo banal e forçado), mas fica a sensação de que deixaram cair algo no meio do percurso.
Ainda que se empenhe o máximo possível para isso, “Oda Nobuna no Yabou” não incha a lista de animes questionáveis que usam uma fórmula tão, tão... tão otaku. Pelo contrário, fica um degrau acima, vira uma referência a ser superada no subgênero, e a Madhouse – juntamente com o Studio Gokumi – prova o quão ideias aparentemente duvidosas e limitadas podem dar bons frutos em mãos competentes. Ou, na verdade, prova pela metade, porque soube adaptar com maestria uma boa light novel, mas não conseguiu andar depois com as próprias pernas...
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Nota: 7
(clique para uma melhor visualização)
* Para não haver confusão por conta do título, “Sengoku Collection” se passa no futuro, e não no Período Sengoku, e por isso está do outro lado da imagem. O mesmo vale para “Hyakka Hyouran: Samurai Girls”, que pega nomes dessa era, mas cria um universo alternativo no qual o Japão se manteve isolado do resto do mundo e continuou com o sistema feudal, sem, contudo, deixar de evoluir tecnologicamente.
* “Koihime Musou”, “Ikkitousen” e “Yawaraka Sangokushi” mudam o sexo de personagens históricos não japoneses, mas chineses, especificamente os da Era dos Três Reinos (período com guerras civis após o final da Dinastia Han, de 169 a 280 D.C.). Apenas “Koihime Musou” se passa na época exata, enquanto que os outros dois ocorrem no presente.
* Como animação - e talvez como mangá também -, “Ikkitousen” foi o primeiro a retratar personalidades históricas na pele de belas garotas – não que isso jamais tenha sido idealizado no cinema ou na literatura, inclusive em outros animes; mas sempre o fizeram com somente um personagem por vez, e não vários. E é por ora o que foi mais longe com esse tema: de 2003 a 2010 a franquia teve quatro temporadas, além de especiais (daqueles que mostram mais nudez do que uma série de TV inteira...) e OVAs.
* Dentre os listados na imagem, “Yawaraka Sangokushi” é o único a não ser série de TV, e sim um OVA de 4 episódios. Por alguma razão, os heróis másculos da Era dos Três Reinos viajaram no tempo e agora se veem presos no corpo de garotinhas. Quem curtiu as lolis de “Oda Nobuna no Yabou” possivelmente achará “interessante” esse daqui...
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