Por Escritora Otaku
Antes de falar do
anime, eis uns dados do meu lado fangirl: acompanhar boa parte do mangá e
tomar muita raiva da editora, fosse na primeira publicação, seja no seu
relançamento (apenas o primeiro volume e desistência de comprar qualquer mangá
da editora via banca); de um álbum obscuro de figurinhas, que nem sei se alguém
lembra; dos Guias Completos e chiar por após nem ter dado tanto tempo o relançarem só
por terem mudado o logotipo do título (bem sem graça por sinal); procurar como
condenada pelos episódios completos dublados e tomar vergonha na cara de ver o
filme que dá fim a série. Fora ter todas as músicas de aberturas e
encerramentos desta e de sua segunda versão, sendo minhas favoritas em
disparada a primeira abertura de ambas. Inclui alguns wallpapers e defender o
anime com unhas e dentes. Diria que somente “Detective Conan” consegue me botar
num patamar parecido, acreditem...
O conheci numa
“Ultra Jovem” e sim, a mesma história com Conan, claro que com algumas
diferenças. Foi apenas quando houve a exibição da série no TV Kids na RedeTV que pude ter um pouco de contato, afinal, na época estava fazendo Letras e amei
o que deu pra ver. Uns anos depois, tive contato com o mangá que originou e conheci mais de sua autora - claro que passei a rodo na net para poder ver a versão
dublada, uma das melhores brasileiras que tive contato e não me
desapontou. Mesmo tendo passado tanto tempo, meu carinho e admiração por esta
primeira versão não mudou nada. Chateio por ver o pessoal “endeusando” “Full
Metal Alchemist: Bortherhood”, pois ele não seria um terço do que foi se não fosse
sua primeira versão; do mangá ter inspirado nele e segue adiante. Por isso
quero expressar um pouco do que representa “Full Metal Alchemist” e seu impacto
nesta resenha.
*****
Alternativo: Hagane no Rekinjutsushi (em japonês)
Ano: 2003
Diretor: Seiji Mizushina ("Natsuiro Kiseki", "Shaman King", "Slayers Next")
Estúdio: BONES
Episódios: 51
Gênero: Aventura / Comédia / Drama
De onde
saiu: Mangá, 27 volumes,
finalizado (2001-2010).
“Nada pode ser obtido sem uma espécie de
sacrifício, é preciso oferecer alguma coisa em troca de valor equivalente:
este é o princípio básico da alquimia, a lei da troca equivalente. Naquela época,
acreditávamos que esta lei fosse absoluta...” (frase dita por Alphonse Elric, na versão dublada da série)
E é assim que começa uma das maiores surpresas da animação
japonesa: quando muitos achavam que os animes tinham perdido seu brilho, eis
que “Full Metal Alchemist” aparece e muda toda uma concepção dos que conhecem
as animações japonesas em geral.
Como sabem, a cada ano são produzidas várias animações no Japão:
umas se tornam populares, outras passam batido e outras se tornam clássicos. É
difícil definir qual anime conseguirá o feito de ser conhecido pelo público ou
não, pois há séries extremamente conhecidas pelos japoneses que são completas
desconhecidas do público ocidental, e outras que ultrapassam estas barreiras e
se tornam populares ou clássicas. Um conceito que depende do lugar e do seu
público-alvo e nem todas às vezes, o que os japoneses gostam cai no gosto do
público brasileiro, por exemplo.
“Full Metal Alchemist” começou em um mangá, publicado pela Shounen
Gangan, uma revista de periodicidade mensal e que tenta trazer um conteúdo
diferenciado dos shounens que estamos acostumados a acompanhar, onde foi um dos
mangás de maior destaque da revista durante o período que foi publicado (2001
a 2010, totalizando 27 volumes encadernados) com direito a duas adaptações
animadas – a que esta resenha vai abordar e “Full Metal Alchemist:
Brotherhood”, lançado em 2009 – fora OVAs e um filme, “The Conqueror of
Shamballa” (O Conquistador de Shamballa, em português), lançado em 2005 e que
finaliza a primeira adaptação animada.
No Brasil, tanto o mangá quanto as duas versões animadas foram
lançadas: o mangá foi publicado pela JBC em dois formatos, sendo o primeiro em meio tanko com 54
volumes entre 2007 e 2011, e depois no formato tankobon em 2016. Ainda trouxeram os "Guias Completos" em três volumes e, igual a obra original, eles também foram relançados (clique aqui para ver um texto sobre estes guias no blog). Quanto as animações, ambas tiveram versão dublada em São Paulo, onde a
maioria dos animes são tratados no Brasil.
A mente por trás da série é Hiromu Arakawa, uma mangaká que nunca
esperou que sua história chamasse a atenção dos japoneses e do público ocidental.
Quanto menos esperou a série foi logo adaptada em anime e o reconhecimento
mostrou que criar uma boa história ainda é possível, em uma época que criar
algo novo não tem tanto reconhecimento quanto pegar um produto pronto ou uma
ideia já consagrada. Geralmente a mangaká se apresenta em formato de uma
simpática vaquinha e, atualmente, está fazendo o mangá “Silver Spoon” – “Gin no
Saji” no original – publicado pela Shounen Sunday, e tem sido um dos destaques
da revista.
E... o que tem “Full Metal Alchemist” de tão extraordinário que
conseguiu se destacar como mangá e como anime? Uma pergunta que muitos fazem
quando uma obra se sobressai mais do que o autor imagina, pois os fatores podem
transformar uma série em algo bom ou em algo ruim. Depende como é visto pelo
público e pela crítica, mas, vamos ver como foi...
A primeira ideia vem da forma que a série foi elaborada, que
seguiu uma concepção diferente dos shounens tradicionais: enquanto no shounen
vemos o desenvolvimento e o amadurecimento dos personagens por meio de lutas,
desafios e aventuras; na obra de Arakawa, isto é irrelevante, pois não é
importante os personagens evoluírem fisicamente em suas habilidades e sim, em
suas personalidades e como encaram as situações. Claro que existem as batalhas
e elas são bem elaboradas, só que isto não é o enfoque da história, dando mais
destaque ao desenvolvimento psicológico dos personagens.
A segunda ideia vem a respeito dos personagens: a autora conseguiu
trazer o melhor de suas personalidades e pô-las nos momentos certos. Quantas
vezes nos irritamos da maneira que os autores abusam de alguns personagens e
desprezam outros, os deixando a ver navios na história. E são os personagens
que fazem de “Full Metal Alchemist” ser o que é para seu público.
E a terceira ideia – até tem mais; no entanto, ficaremos nas mais
relevantes – são as mudanças de atmosfera, ou seja, das cenas a serem
apresentadas: há momentos cômicos, momentos dramáticos, revelações e suas
sequelas. Estas cenas são postas de uma forma que não tem como reclamar se
faltou emoção ou um pouco mais de comicidade, dando uma identidade própria para
a série.
O enredo de “Full Metal Alchemist” é a jornada dos Irmãos Elric,
Edward Elric – o mais velho - e Alphonse Elric - o mais novo - em busca de uma
forma de recuperarem seus corpos; quando eram novos, tentaram reviver a mãe
deles e os resultados foram desastrosos: Edward perdeu a perna esquerda e o
braço direito, enquanto Alphonse perdeu todo o corpo. Ambos tinham feito uma
transmutação humana, ato proibido para os que praticam alquimia e pagaram com
seus corpos por terem quebrado um tabu. Depois de um tempo, os dois seguem em uma
jornada: Edward passa a usar próteses no lugar dos membros perdidos e Alphonse
tem sua alma fixada em uma armadura. A história ocorre já no presente, com ambos os irmãos famosos por
suas façanhas e pelo fato de Edward ter se tornado um alquimista federal com
apenas 12 anos de idade, sendo conhecido como “Alquimista de Aço”. E daí, o
enredo se desenvolve mostrando o passado e o presente deles e de outros
personagens, pela busca de recuperarem os corpos que perderam.
Dizer mais sobre a história é simplesmente inaceitável, pois
diferente de muitas animações japonesas, o forte da série são o seu enredo e os
personagens, por isso a sinopse bem sucinta e direta, sem rodeios. Esta jornada
revela os dois lados do uso da alquimia: tanto para ajudar quanto para
atrapalhar, pois os que se tornam alquimistas federais são vistos como “Cães do
Exército” por terem abdicado suas habilidades alquímicas para o exército e
serem usados como armas humanas. O desprezo e até o ódio são bem ressaltados ao
longo da animação e mudar esta fisionomia torna-se uma tarefa demasiadamente
trabalhosa e arriscada, dependendo das circunstâncias apresentadas.
O elenco de personagens mostrados na animação manteve a
personalidade apresentada no mangá, tendo algumas alterações, por causa da
história original não ter sido concluída na época de produção do anime. E a animação segue o mangá até determinada etapa, pois a partir de certo ponto em
diante, a adaptação caminha para um rumo totalmente diferente do original, mantendo somente
o argumento inicial e os personagens que haviam sido apresentados primeiro - fora
que alguns acontecimentos sucederam no mesmo período em que o mangá estava
sendo publicado ou se passavam antes ou depois da história ocorrida. Pra ter uma
noção, algumas histórias que são vistas como fillers no anime foram adaptadas
como capítulos extras do mangá e alguns fatos foram revelados pela mangaká,
pois o material original era escasso para a produção ter o que adaptar. Quem
tiver lido o mangá vai entender a respeito, pois a própria mangaká revelou
detalhes da produção da animação e isso influenciou na forma de contar a
história.
Em termos técnicos, o anime teve um excelente tratamento: design,
traço firme e dublagem bem colocada, tornando a série uma das mais importantes
para o estúdio que o produziu. Todo o trabalho dado na animação revela o quanto
tiveram cuidado pra apresentar a trama ao espectador e o resultado final foi
satisfatório. A animação é vista como um dos melhores projetos da BONES, dando
mais notoriedade para o estúdio e deu a possibilidade de trabalhar na versão
definitiva da série, anos depois. A dublagem da animação também é bem colocada,
destacando alguns dubladores, sendo que as vozes dos irmãos Elric foram feitos
por mulheres (Kugimiya Rie e Romi Paku), já que é comum no Japão dubladoras emprestarem suas vozes em
papéis masculinos.
No Brasil, o elenco de vozes foi constituído de dubladores
paulistanos, que durante a animação conseguiram dar vida aos seus personagens e
têm seus destaques: as vozes dos protagonistas foram feitas por dois dubladores
bem conhecidos no meio da dublagem, no papel de Edward foi escalado Marcelo Campos, que já dublou personagens em vários animes, como “Cavaleiros do
Zodiaco”, “Shurato” e “Yu-gi-oh!”; no caso do Alphonse foi escalado Rodrigo Andreatto, que já trabalhou em animes como “Shaman King”, “Pokémon” e “Super
Campeões”. Outras vozes são bastante conhecidas e mostraram na interpretação o
estilo de cada um dos personagens, sem os descaracterizar.
Na trilha sonora, o anime contou com quatro temas de abertura e
quatro temas de encerramento ao longo dos episódios. As aberturas apresentadas
foram: “Melissa”, cantada pela banda Porno Graffite; “Ready Steady Go”, cantada
pela banda L’Arc~em~Ciel; “Undo”, do grupo COOL JOKER, e “Rewrite”,
tocada pela banda Asian Kung-Fu Generation. E os encerramentos foram: “KasenaiTsumi”, da cantora Nana Kitade; “Tobira no Mukou E”, cantada pela banda YeLLOW
Generation; “Motherland”, da cantora Crystal Key, e “I Will”, cantada por
Sowelu. Todas estas músicas foram bem colocadas e tornam a experiência de
acompanhar a animação mais emocionante, mostrando a atenção que o estúdio teve
em dar um toque diferenciado na produção do anime. Dá pra reparar que bandas
masculinas foram escolhidas pra tocar as aberturas e que as mulheres dominaram
nos encerramentos, transmitindo o tom e personalidade em cada uma das músicas.
E estes atributos deram para “Full Metal Alchemist” o status que
adquiriu dentro e fora do Japão: uma série que não passa despercebida e se
destaca das várias animações japonesas que surgem a cada ano. Pra quem quiser
acompanhar, duas dicas: nada de comparações com “Full Metal
Alchemist: Brotherhood”, pois estraga e muito a vontade de assistir, e tentem
descobrir o que tem a animação de tão especial pra oferecer. A experiência é
única pra quem conferiu ou quer conhecer uma animação diferente das
habituais...
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Excelente texto Escritora. Parabéns! Até me inspirou a refazer a minha crítica opinativa acerca do anime e recriá-la/reciclá-la. xD
ResponderExcluirBem, acho que tudo que você falou se resume bem no porquê de eu colocar FMA como meu anime Top1 tecnicamente falando, junto com o próprio FMA Brotherhood. Uma frase que deixa seu post ainda mais interessante é a 1ª dica: "nada de comparações com “Full Metal Alchemist: Brotherhood”, pois estraga e muito a vontade de assistir". Porque as pessoas têm a péssima mania de compararem com FMA BH porque este seguiu mais fielmente o mangá, têm a péssima mania de não assistirem ambas as produções de maneira separadas, têm uma absurda preguiça de acompanhar as duas séries e reclamam da animação de 10 anos atrás..... pobres coitados que não sabem o valor que FMA tem para a própria série que veio 5 anos depois. Inclusive de modo incisivo quanto ao roteiro, que é FMA BH é bem enxugado nos 10/12 primeiros episódios...
Para mim, que já havia assistido FMA alguns anos antes, FMA Brotherhood se tornou uma experiência ainda melhor quando eu o assisti. Por alguns outros fatores também, mas a experiência de ter visto a primeira série foi decisiva.