9 de dezembro de 2012

Resenha: Joshiraku


É o moe a serviço da ironia de Kumeta Kouji, no anime mais genuinamente japonês do ano


Ano: 2012
Diretor: Tsutomu Mizushima (“Another”, “Blood-C”, “XXX Holic”, “Yondemasu yo, Azazel-san”)
Estúdio: J.C Staff
Episódios: 13
Gênero: Comédia / Slice-of-Life
De onde saiu: Mangá, 4 volumes, em andamento.



*****


 

Presente na cultura japonesa há pelo menos dois séculos, o “rakugo” (literalmente, “palavras caídas”) é uma espécie de apresentação japonesa com monólogos humorísticos, onde uma pessoa sentada em um tatame sobre o palco, tendo apenas um leque nas mãos, conta uma história. As narrações sempre possuem duas ou mais personagens e consiste somente de longos diálogos entre elas, e o humorista se aproveita de tons de voz distintos e gestos para chamar a atenção da plateia. Por fim, enquanto o “rakugo” original termina suas histórias abruptamente, usando alguma frase inesperada e cômica (conhecida por “ochi”), com o tempo foram surgindo outras variações que se afastam, cada um à sua maneira, um pouco desse padrão, tendo inclusive certos estilos que não usam tal truque em seu desfecho.

Essa introdução didática se deve ao cenário em que se passa “Joshiraku”, anime “slice-of-life” de paródia (mais um a dar as caras no blog, e certamente não será o último...) e sátira exibido nesse ano. Nele, durante a maior parte do tempo, vemos cinco garotas bonitinhas conversando sobre tudo e nada no camarim do teatro de “rakugo” em que se apresentam, e geralmente seus diálogos chegam a conclusões distantes, distantes demais do ponto inicial. Antes de começar a falar do anime em si, vale tocar em algo que pode causar certa estranheza no início: se nomes como Tetora Bouhatei, Kigurumi Haroukitei ou Gankyou Kuurubyuutei fogem do comum, isso é porque estes são pequenos jogos de palavras que fazem alusão à personalidade ou aparência de cada uma; mas, para quem conhece “Sayonara Zetsubou Sensei” (obra do mesmo criador, Kumeta Kouji), isso nem será novidade, visto que esse anime também usa tal artifício em suas personagens, cujos nomes resumem seus comportamentos. Ademais, como curiosidade, o termo “tei” com o qual termina o nome de todas as meninas é frequentemente usado em apelidos de palco por atores.


Fora isso, se prepare, pois de trocadilhos “Joshiraku” está repleto, para a angústia de tradutores e decepção de quem não sabe japonês, e isso nem chegará a ser o maior “problema” para nós do ocidente.



Obviamente, “Joshiraku” é uma versão mais light e inferior de “Sayonara Zetsubou Sensei”, anime de humor adulto, negro e maldoso cujo mangá rendeu trinta volumes; mas, apesar disso, a veia ácida de Kumeta Kouji segue intacta e suas garotinhas moe tão falsamente inofensivas são capazes de falar – e falar mal – a respeito de política, religião e celebridades com tremenda cara de pau e tranquilidade, uma conduta que gerou um número razoável de reclamações e censuras – afinal, mencionar, por exemplo, fatos ligados ao terremoto de 2011 ainda parece ser um tabu por lá, principalmente se você faz isso com menininhas de rostos alegres e sorridentes. Porém, além de continuar com suas eternas críticas sociais, Kumeta também não deixa de dar alfinetadas ao ramo em que trabalha e à própria ferramenta que usa para dialogar com o público, o moe: constantemente fazendo piada de si mesmo (coitadinho, foi produzido pela J.C. Staff, não dá para competir com certa Kyoto e suas garotas que tocam instrumentos...) e de outras obras que usam isso, “Joshiraku” exibe uma grande sinceridade e mostra absoluta consciência de suas ações, tendo assim uma relação aberta e franca com o espectador. Você sabe que às vezes estão falando mal justamente daqueles que veem o anime, e que tiram sarro ao mesmo tempo em que passam a mão em sua cabeça e agradecem pelo apoio; entretanto, elas são tão lindinhas, engraçadinhas e honestas, que dá para relevar... Esse moe maldito...



Você apenas deveria ler o mangá, pois não há razão de ver um anime com pouca ação que se baseia somente em conversas num cômodo. Se bem que os produtores estão fazendo o que podem para levar adiante tal adaptação, mesmo que haja tão pouco para animar, e mesmo que, no fim, a maioria vá assistir isso de graça... Esse é um resumo das primeiras linhas do primeiro episódio, uma quebra da quarta barreira instantânea e autocrítica. Após isso, uma discussão em volta de como se vestir para uma festa passa por desde fanservice assumido a uma apresentação curiosa do nome de cada personagem, e, quando se percebe, o tópico inicial de tudo já ficou esquecido lá atrás. “Joshiraku” segue uma montagem semelhante à feita pela SHAFT em “Sayonara Zetsubou Sensei” a partir da segunda temporada, em que cada episódio é dividido em três partes. O primeiro e o terceiro, sempre, se passarão no camarim do teatro de “rakugo”, e o segundo é o que causa mais “dropagens” (é sério, li muitos relatos a respeito) por parte dos espectadores do ocidente, porque aqui as meninas passeiam por diversos pontos do país num clima bastante turístico. Pode ser enriquecedor e sedutor para aqueles curiosos em saber mais sobre a cultura do Japão, mas por outro lado esses trechos podem também se transformar facilmente em uma experiência cansativa, e não só por conta da profusão de alusões a acontecimentos, estabelecimentos e personalidades locais que mal conhecemos, mas inclusive pelos inúmeros trocadilhos existentes, que têm uma presença maior aqui. É, em suma, a junção dos dois maiores obstáculos da série para nós, essa carga tão japonesa que, por morarmos em outro país e não sermos fluentes na língua, nos faz perder muito da comédia satírica e – geralmente - inteligente que “Joshiraku” oferece. 


Todo episódio se inicia com uma das garotas se apresentando no teatro, e nem perca tempo tentando achar graça nas histórias. Pois, primeiro, elas são iniciantes, e suas narrações não são mesmo tão boas; e segundo, porque, como o humor se encontra em jogos de palavras, este perde todo o sentido no processo de tradução, restando somente um relato que, pode ser qualquer coisa, mas não engraçado. De igual forma, esses trocadilhos são uma constante nas conversas das personagens, que praticam toda hora brincadeiras com caracteres, dialetos, mudanças de provérbios e associações de palavras a fatos reais, pessoas ou cultura nerd em geral, abusando nisso de homônimos e não raramente desrespeitando totalmente as normas gramaticais da língua, o que torna impossível de retransmitir em outro idioma até sentenças inteiras em alguns casos. É verdade que várias séries (principalmente as de “slice-of-life” com garotinhas) adoram se utilizar do complexo vocabulário japonês para criar essas situações, mas “Joshiraku” apresenta um nível que fica exageradamente acima do normal, que nem mesmo “Sayonara Zetsubou Sensei” se equipara – pois tem muito disso nele. Não dá para ignorar que muitas dessas piadas são horríveis e forçadas, involuntariamente cômicas de tão ruins; mas não raramente uma historinha ou diálogo inteiro se torna incompreensível e tedioso por se valer tanto desse artifício. Em casos isolados, a simplicidade dos jogos de palavras ajuda para que acompanhemos essas brincadeiras, mas será mais comum nos depararmos com linhas inteiras de conversa que passarão batidas por soarem tão estranhas e bobas - ainda que, por trás delas, esteja escondida uma irônica e mordaz citação aos impasses políticos com países vizinhos ou ao escândalo recente de uma sub-celebridade envolvendo bebidas ou drogas, o que esbarra no outro componente importante para a comédia de “Joshiraku”, a informação externa.



Se não estiver tratando de temas universais como religião ou comportamento humano - sem se preocupar em não ofender -, de vez em quando o anime exigirá de ti um conhecimento até que geral sobre atualidades - que nem no episódio um, por exemplo, onde as protagonistas tem a ideia de gritar “Devolvam!” para o mar e assim se seguem cutucadas para todos os cantos do globo, de “Devolvam nossas terras” em direção, possivelmente, à Rússia (pois há tempo os dois países disputam o direito de posse de algumas ilhas) a “Devolvam nosso povo” à China, “nossa tecnologia” à Coreia do Sul e por aí vai. Umas indiretas bem diretas aos americanos aqui - não poderia faltar, lógico -, outras aos coreanos ali, aos chineses... Se eventos assim já parecem complicados, a situação piora nos momentos em que “Joshiraku” olha para seu próprio umbigo e desfia dezenas de referências a fatos ou locais que não são de consciência geral. Sátiras voltadas às decisões tomadas pelos primeiros ministros (cargo que no Japão está passando rapidamente de mão em mão nos últimos anos) e outros políticos, reclamações veladas às medidas do governo criadas para tentar abafar a crise econômica e sarcasmo em relação à vida de famosos e pseudo-famosos são recorrentes - sem contar os inevitáveis e vários diálogos em volta de produtos, programas, estabelecimentos e pontos conhecidos do país, principalmente nas historinhas do meio de cada episódio no caso deste último. E “Joshiraku” exibe uma impressionante fidelidade nessas horas, não apenas pela descrição detalhada das personagens, quase que como se fossem belas guias, desses lugares, como inclusive pela retratação minuciosa por parte da animação – Akihabara, Roppongi e vários outros distritos comerciais são alguns dos pontos visitados. É um anime promovendo o turismo sem esconder isso, uma prática comum recentemente – vide Hanasaku Iroha”, “Rinne no Lagrange”, “Ano Natsu de Matteru”...



E, se esses trechos “hoje vamos conhecer este lugar” não interferem tanto na comédia do anime (ou você simplesmente acha interessante e aprende um pouco da cultura de outro país, ou acha chato e torce para que a “excursão” acabe logo), a falta de informação em relação ao que se passa no Japão – ou, melhor dizendo, o fato de você não ser um japonês que vê diariamente noticiários e programas japoneses – acaba refletindo nas piadas, e infelizmente é muito frequente várias delas se tornarem sem sentido e bestas, tais quais as de trocadilhos, por conta de não sabermos o contexto e o significado por trás delas. Vale ressaltar que “Sayonara Zetsubou Sensei”, excluindo isso de passeios didáticos, não foge em quase nada do que está sendo dito nesta resenha; mas nele Kumeta Kouji não exagerou tanto quanto a criar uma obra tão limitada de público que nem fez em “Joshiraku”, especialmente porque dá foco a um tópico universal, que é o comportamento humano individual e coletivo - mesmo que o japonês em particular -, deixando em segundo plano citações internas. Algo que “Joshiraku” também pratica, em menor intensidade; e isso, junto às incontáveis paródias a outras animações e o visual e trejeitos das garotinhas, é o que nos resta para conseguirmos nos apegar ao anime, e amenizar desse jeito a questão de não termos nascido na mesma terra que eles.



Você poderá perder e não entender muita coisa em “Joshiraku”, mas mesmo que isso ocorra terá ainda diversas partes excelentes – e outras nem tanto, de vez em quando as piadas são infelizes mesmo, acontece - que não são prejudicadas pelos problemas citados acima simplesmente porque, muitas vezes, o que se vê é apenas um humor “nonsense” e espontâneo, que não se baseia demais nos hábitos e dia a dia dos japoneses para fazer rir. Histórias como quando as garotas ficam desconfiadas entre si achando que uma delas ganhou na loteria, ou quando discutem sobre a ideia de que, em certos casos, fazer algo somente uma vez já é o bastante não deixam de possuir muito dos costumes orientais no meio; mas a comédia é direta, é visual, de fácil compreensão e entendimento, e dessa forma, pelo menos aqui, o anime pode ser apreciado normalmente. E, enquanto a protagonista Marii – a de cabelos vermelhos – e suas amigas ficam em bate-papos aleatórios que fluem com considerável naturalidade e que ignora a quarta barreira, se tem no meio paródias a animes de todos os gêneros e épocas, e é óbvio que “slice-of-life” de garotinhas são os mais lembrados - nem é preciso dizer que "K-ON!" é alvo de bullying (ou inveja?) a todo instante, não é? De animações clássicas jamais esquecidas como "Hokuto no Ken", "Detective Conan", "Doraemon" e "Lupin" a séries recém-acabadas neste ano ou anos atrás ou que estão ainda em andamento como "Toradora!", "The Idom@ster", "Another", "Shirokuma Cafe" e "Bakuman" (a lista é extensa, ultrapassa mais de 60 títulos), "Joshiraku" se lembra delas através de cenas rápidas e por diversos métodos, ora ironizando, ridicularizando, citando aberta ou timidamente no meio de uma conversa de maneira frequentemente forçada ou, apenas, fazendo aparecer no fundo alguma alusão qualquer – principalmente com os que são produções da J.C. Staff nesse último, pois fazer autopropaganda nunca é demais e assim você não precisa censurar nomes nem imagens. Um fã de animes mediano, seja ele de produções mais velhas ou não, dificilmente encontrará dificuldades em reconhecer e compreender um bom pedaço dessas referências. Filmes de várias nacionalidades, jogos e doramas são outros alvos preferidos da animação.


E é previsível, esperado, mas a obra máxima de Kumeta Kouji feita pela SHAFT não deixa de ser lembrada quase que todo episódio, implícita ou explicitamente – um desenho em uma camisa, uma aparição relâmpago de um dos vários personagens do anime, uma crítica quanto ao seu conteúdo... É o professor desesperado e suas alunas tomando de seu próprio veneno, e na forma de lindas garotas. E elas, aliás, só são lindinhas porque Kumeta – que, digamos, não é lá muito bom com traços delicados – não foi dessa vez responsável pelo “character design”, feito aqui por Yasu no mangá - Masayoshi Tanaka ("character designer" de séries como "Highschool of the Dead, "Ano Hana" e "Ano Natsu de Matteru") foi o encarregado da adaptação para o anime. Yasu também é o criador original do “character design” de “Toradora!”, e na próxima temporada fará o mesmo em “Mangirl, anime que terá meninas fofas publicando uma revista de mangás. Um especialista em moe, que é o que o anime tem de melhor a oferecer em se tratando de animação. 


Mesmo que “Joshiraku” sempre que possível lamente suas condições precárias (foram produzidas por este estúdio ao invés daquele, serão rapidamente esquecidas, sofrem injustas censuras, têm baixo orçamento, passam em um canal menos popular etc), a J.C. Staff realizou um trabalho até que satisfatório para um anime desse gênero – afinal, Kyoto Animation é outra história. Não há como não imaginar como seria este anime caso a SHAFT estivesse no comando, que nem ocorreu com as outras adaptações das obras de Kumeta - "Sayonara Zetsubou Sensei" e "Katte ni Kaizou" -; e é verdade que, nos momentos em que piadas e longos diálogos não funcionam por serem meramente ruins e idiotas, sente-se falta de uma arte audiovisual requintada e bizarra para disfarçar tais deslizes - pois a SHAFT sabe fazer isso muito bem, deve-se admitir. Mas, tentando ser defensor da J..C. Staff ao mesmo tempo em que a critico, seus cenários tão insípidos e pobres e a falta de movimentos realçam o moe das jovens atrizes de "rakugo", que certamente se perderiam naquele carnaval de cores de Akiyuki Shinbo. De rostinhos suaves com risquinhos rosados, além de cabelos e olhos de cores iguais, o “character design” criado por Yasu e redesenhado por Masayoshi justifica uma frase tão repetida no início da série: “Este anime é repleto de diálogos ordinários para que assim os espectadores possam apreciar plenamente o quão bonitas são as garotas”. E o pior é que isso dá certo quando a conversa é de fato banal e tediosa ou incompreensível para nós, ainda que “Joshiraku” esteja com isso tirando sarro dessa ferramenta. E, se durante esta longa resenha (a maior que já fiz, e não esperava que fosse para um anime desses) não reservei espaço para destacar melhor estas meninas, não nego, adoráveis, é porque Kumeta cria mais uma vez um bando de personagens bastante ordinárias individualmente, que só funcionam em conjunto e que não passam de piadas ambulantes de arquétipos (a fofinha por fora e malvada por dentro, a nerd de óculos, a comum...) usadas para criticar e satirizar tudo que for possível. São uma graça, são bonitinhas como devem ser, e é quase certo que você terá sua favorita (escolho a Kukuru!); mas, ah, ao contrário de outros animes do tipo, o conteúdo por trás delas muitas vezes é bem mais interessante do que elas em si, pois não se trata unicamente de conversas sobre dever de casa e comida. 


“Joshiraku” exige paciência e uma carga de conhecimento nipônico muito acima da média para ser desfrutado plenamente, e esteja ciente de que surgirão inúmeras partes que causarão certo aborrecimento, por percebemos que aquela frase ou cena deve ser mais engraçada e inteligente do que realmente parece na legenda. E, nessas horas, não adianta colocar a culpa no tradutor ou pensar que o humor do anime que é de gosto duvidoso (mesmo sendo em alguns instantes); você está diante de um anime extremamente japonês – estranho dizer isso, não? – que o fará perceber a real distância entre línguas e culturas tão diversas. Desse jeito, aí que não dá mesmo para competir em popularidade com meninas que tocam música e viajam para a Inglaterra...



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Nota: 7,5



(clique para uma melhor visualização)


* "Slice-of-life" de garotinhas há vários, então citei na imagem apenas os meus favoritos. Outros títulos do gênero: "Hidamari Sketch", "Hyakko", "Tamayura ~hitotose~", "Natsuiro Kiseki", "Morita-san wa Mukuchi", "Minami-ke", "Yuruyuri", "A-Channel", "Softenni"...


 
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Um comentário:

  1. Ta ai um anime que mal entendi as piadas, só que até onde assisti vi com um sorriso enorme. haha


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